Vida Além da Vida

de Clério de Souza Oliveira

 

Capítulo 5

 

O acidente

    Dia perfeito, o sol brilhando muito forte, uma aragem refrescava esta manhã e ainda podia se ver as gotículas de orvalho sobre as folhas. Os pássaros como crianças no recreio enchiam o ar de trinados e passavam em bandos dando rasantes no pátio gramado. Paula já estava na cozinha de sua casa tomando seu café com leite, sentia um misto de alegria e ansiedade preocupada.

O hospital já estava trabalhando há algum tempo, os necessitados apareceram bem antes de ele estar completamente montado. Na verdade a inauguração seria somente o início das aulas na escola. Crianças de famílias com posse e pobres tinham sido matriculados, todas as classes estavam completas no seu número total de vagas. Parte dessas crianças ficariam em regime de internato, estando já ocupando o dormitório.

A programação da festa seria iniciada com um discurso de Paula, depois seguiria uma visita às dependências do hospital e da escola e finalmente um lanche.

Adriano ainda com muito sono sentiu-se impelido a levantar, alguma coisa o impedia de ficar na cama por mais alguns minutos. Sem fazer barba ou tomar café já se encontrava a caminho do sítio. Próximo à entrada teve que agüentar o fluxo de carros, isto fazia com que ficasse mais irritado, havia uma raiva sem sentido o instigando a ter pressa. Entrando dirigiu-se imediatamente para a casa de sua irmã. Sua avó, Paula e Berta estavam na sala, riam, ele sentiu-se paralisado, amava aquelas pessoas, mas elas apareciam na sua cabeça como inimigas, os argumentos que fervilhavam a sua mente antes de chegar aí desapareceram, não sabia como falar, sabia que tinha vindo para brigar.

Berta foi o primeiro a vê-lo, levantou-se e foi abraçá-lo. Adriano constrangido falou:

- Porque vocês me enganaram?

Paula entristecendo responde:

 Mano, nós não te enganamos, só nos poupamos de discussões inúteis.

- Discussões inúteis? Você mete a mão no meu dinheiro e resolve distribuí-lo a um bando de mulambentos e não quer discussão?

A avó interfere:

- Calma. Senta aqui. Já tomou seu café?

- Não.

- Berta vai, trás um café para o seu namorado.

- Eu não quero café, eu quero explicações.

Paula não sabe o que dizer, então Berra toma a frente para protegê-la.

- Adriano, nós sabíamos que tanto você como a sua mãe não concordavam com as idéias de Paula.

- Idéias de Paula ou idéias suas que você enfiou na cabeça dela?

Paula se irrita.

- Pera aí! Ninguém enfiou idéias na minha cabeça. Eu sempre discordei da ambição e usura de vocês.

- Agora é ambição e usura? Mas foi ela que te alimentou e pagou sua faculdade. Este sítio mesmo, você acha que o dinheiro foi achado no lixo?

Berta intervém:

- Não adianta esta discussão. Vamos ficar calmos.

- Calmo? Eu não quero ficar calmo, eu quero que ela acabe com tudo isto e devolva todo o dinheiro que roubou.

Paula chora e diz:

- Eu não roubei nada, só fiz que um dinheiro guardado para prazeres e vícios fosse destinado para o bem das pessoas.

- Bem das Pessoas? Nós trabalhamos, nos esforçamos para ganhar o nosso dinheiro, portanto é para o nosso bem e não das pessoas.

- Egoísta! Você tem o suficiente para você, porque não ajudar os necessitados?

- Porque o dinheiro é meu, e se eles querem, que vão trabalhar. Eu não quero mais discutir.

- Eu também não, só quero que você acabe com isto tudo.

- Eu não vou acabar com nada.

- Então, eu mesmo vou acabar.  O que você vai fazer?

- Vou falar para este bando de urubus que a festa acabou. Que minha irmã está louca e vai ser internada.

Berta se coloca na frente de Adriano impedindo-o de sair. Adriano num movimento brusco a empurra e ela ao cair bate com a cabeça na mesinha de mármore, que ficava ao lado do sofá, desmaiando.

Paula e a avó correm para ajudar a amiga, enquanto Adriano fica paralisado de pavor. Paula corre para porta e grita para chamarem a ambulância. Da testa de Berta corre um fio de sangue. Adriano desesperado, sem saber o que pensar ou fazer corre para o seu carro e vai embora.

Berta é levada para a emergência. Paula veste-se coloca, por cima de sua roupa de festa, a roupa do centro cirúrgico. Ela pensa na sorte de ter adquirido bons equipamentos, agora poderia usá-los para salvar sua amiga.

Em questão de alguns minutos tudo estava resolvido, Berta só precisou de alguns pontos, nada mais grave aconteceu. De curativo na cabeça pode participar da inauguração, que sofreu um pequeno atraso, mas os convidados, embevecidos com o ambiente acolhedor do sítio, nada perceberam.

Para Paula a alegria antes espontânea agora era um sorriso forçado. Dentro de seu peito havia uma dor profunda. Seu irmão lhe era muito querido.

Os convidados já haviam se retirado, quando entra pelo portão do sítio um carro apressadamente, indo parar no Atendimento de Emergências do hospital. Paula é chamada, tinha ocorrido um acidente na pequena estrada que ligava o sítio à cidade. Ao chegar à Emergência leva um susto, apesar de ter feito muitos plantões e visto muito acidentados, ver seu próprio irmão nesta condição fez com que desmaiasse.

Acordou, sua avó ao seu lado cuidava dela. Desnorteada, perguntou a ela.

- Vó! O que aconteceu?

- Descansa minha filha! Está tudo bem.

- Adriano! Onde está Adriano?

- Ele está na sala de cirurgia. Berta está por lá. Logo que terminar ela virá nos dar notícias.

- Mas como foi que aconteceu?

- Adriano perdeu a direção e saiu da estrada, capotou. O carro foi totalmente destruído. Os que o trouxeram dizem que não sabem como ele ainda está vivo. Só por um milagre ele escapou.

- Mas como ele está?

- Não sabemos, querida. Tenha paciência!

- Eu vou lá!

- Não! Você não está em condições, fique quieta aí ou vou ser obrigada a pedir que lhe dêem um sedativo.

- Ó meu Deus! Tudo foi minha culpa!

- Nada disso, você não tem culpa de nada. Eu não deveria ter feito segredo.

- Se você não assim o fizesse nunca poderia criar esta obra linda. Ele é o culpado pelos seus próprios erros. Não quero ouvir mais nada, tome este chá e acalme-se!

As horas se arrastaram até que Berta aparece na porta do quarto de Paula e num tom triste diz:

- Paula, seu irmão conseguiu escapar desta.

- Mesmo? Então porque você está assim?

- Ele está tetraplégico.

O silêncio cai sobre todos, inclusive a avó de Paula que ouviu a noticia ao chegar na porta do quarto.

Adriano tinha sobrevivido, graças à existência de um hospital por perto e da solidariedade de pessoas da região que ao terem ouvido o barulho do carro saindo da estrada, correram para ajudá-lo, conseguiram tirá-lo antes que o carro pegasse fogo. Mas o horror de ser queimado vivo não fez com que ele se sentisse agradecido, pelo contrário, reclamava sempre que podia da sua condição, que preferiria estar morto.

Depois desse ocorrido, sua mãe que estava com ele em todos os momentos menos quando saiu correndo da casa de Paula e se acidentou, passou a culpar-se pela sorte do filho e afastou-se para a escuridão, acompanhada pelas risadas maléficas de Adolfo, que havia atingido o seu objetivo de vingar-se dela de situações do passado. Ele se aproveitara da condição de esquecimento, devido ao despreparo dela.

Todos procuraram atender de todas as maneiras as necessidades de Adriano, apesar de suas reclamações não recebia qualquer palavra em revide. Berta era a única que podia tirá-lo do seu quarto no hospital, levava-o a passear pelos arredores. Seu cuidado era tão amoroso que com o tempo fez com que seu namorado passasse a se interessar pelas atividades da escola. Até que um dia ele propôs:

- Berta, será que eu poderia dar aula?

- Mas é claro que sim, você é inteligente, é só escolher a matéria que preferir.

Adriano passou a lecionar Biologia, escolhia cada dia um dos alunos para ir ao quadro e escrever, enquanto em casa, porque passou a morar na casa de Paula, Berta o ajudava na preparação das aulas. Cada vez mais empolgado conseguiu equipamentos que lhe permitia usar o computador. A felicidade de ser útil e até a relativa independência, trazida pela adaptação de seu ambiente, com a ajuda de tecnologias do exterior, fez com que esquecesse da sua condição e se tornasse o melhor professor e também o mais querido por todos na escola. Na hora do recreio era levado pelos alunos para o pátio e ficava conversando com todos.

Berta queria ainda se casar com ele, mas ele não, amavelmente falava-lhe que não queria ser um peso, que ela era moça saudável e bonita e que deveria encontrar alguém que pudesse lhe dar belos filhos.

O tempo foi passando e Berta respeitou a distância do irmão, atendia-o no que fosse possível, mas evita qualquer conversa sobre o dia do acidente ou sobre a forma com que conseguiu montar aquele lugar. O dinheiro de sua mãe estava agora todo em suas mãos, e sua amiga cuidava de fazer ele manter-se aplicado para atender todas as suas necessidades. Foi Adriano que juntamente com Berta, após olhar os papéis de sua mãe descobriu um com números e letras que deveria ser de uma conta no exterior, e com a ajuda do computador descobriu e pode resgatar todo o dinheiro, isto fez com que eles pudessem adquirir mais equipamentos, principalmente no exterior, facilitados pelos recursos já estarem colocados próximo aos fornecedores. Graças a estes equipamentos e novas tecnologias adquiridas para o hospital, ele pode recuperar, com o passar do tempo, a mobilidade dos braços, mas o restante do corpo não havia mais como reverter às lesões. Mas os recursos escondidos de sua mãe permitiram-lhe adaptar seu quarto, banheiro, carro e cadeira de rodas, fazendo com que passasse a ter uma vida normal, podendo ir aonde quisesse, sem a ajuda de ninguém.

* * *

Capítulo 6